Feudalismo 2.0: Como as Grandes Tecnológicas se tornaram os novos reis | Opinião

Há uma certa confiança com que as Big Tech se movem hoje — uma confiança que não pertence a empresas privadas, mas a poderes soberanos. A Google decide o que o mundo sabe. A Meta decide como o mundo comunica. A Amazon decide o que o mundo compra. Já não são plataformas; são impérios. E, como todos os impérios antes delas, extraem.

Resumo

• As Big Tech criaram o “Feudalismo 2.0”, onde plataformas globais extraem dados dos utilizadores como senhores feudais, operam acima dos Estados-nação e exercem poder ao nível soberano sem responsabilidade democrática.
• A Web3 oferece um caminho para quebrar este feudalismo digital, permitindo identidade detida pelo utilizador, soberania de dados, transparência e infraestruturas descentralizadas que redistribuem o poder, afastando-o dos monopólios corporativos.
• A próxima revolução tem de ser arquitectónica, não política: para recuperar a autonomia digital, tanto indivíduos como instituições devem adotar tecnologias descentralizadas que substituam os reis das plataformas por sistemas abertos, interoperáveis e controlados pelos utilizadores.

Vivemos no Feudalismo 2.0, ou tecno-feudalismo, onde os senhores não são monarcas em castelos mas CEOs em salas de reuniões, e os camponeses não estão presos à terra mas às plataformas. O nosso trabalho já não é cultivar trigo — é produzir dados. Cada clique, scroll, mensagem, pesquisa, localização registada e pegada digital torna-se matéria-prima de uma máquina de extração globalizada.

E tal como no feudalismo tradicional, as Big Tech operam para lá dos Estados-nação. Os governos regulam dentro dos territórios; as plataformas operam através deles. A sua cidadania importa menos para a sua vida digital do que a sua ligação à internet.

Mas aqui está a verdade desconfortável: fomos nós que construímos este sistema. Trocámos o controlo pela conveniência. Trocámos a agência pela rapidez. Trocámos a autonomia digital pela ilusão dos serviços gratuitos. Agora enfrentamos uma questão mais antiga do que o próprio Estado-nação: quem governa realmente? E se a resposta for “as plataformas”, então precisamos de uma revolução. Não política. Tecnológica.

A nova ordem feudal

Na Europa medieval, os camponeses não tinham direito legal aos frutos do seu trabalho. Tudo o que era cultivado na terra pertencia, em última análise, ao senhor. O feudalismo não era apenas um modelo económico; era uma ideologia de dependência.

As Big Tech recriaram este modelo com uma elegância aterradora. Não possuímos os nossos dados; apenas os produzimos. Não controlamos as nossas identidades digitais; alugamos o acesso a elas. Não consentimos à extração; somos induzidos a ela com padrões obscuros e definições predefinidas.

O argumento moderno é que “se não gosta, use outra coisa”. Mas isto é uma falsa escolha. Os camponeses feudais também podiam, tecnicamente, abandonar o senhorio — simplesmente não tinham para onde ir. Hoje, tente viver de forma significativa sem motores de busca, e-mail, plataformas de comunicação ou serviços na cloud. Tente candidatar-se a um emprego, aceder a registos médicos ou até navegar numa cidade. Optar por sair é praticamente impossível.

Isto não é retenção de utilizadores. Isto é engenharia de dependência. E quando uma tecnologia se torna essencial para existir em sociedade, entra no território outrora reservado ao poder soberano.

A parte mais marcante do Feudalismo 2.0 é a sua estrutura geopolítica. As Big Tech não pedem permissão; os governos pedem reuniões. As Big Tech não negociam; impõem termos de serviço. As Big Tech não obedecem a fronteiras; redesenham-nas em código.

O Google Maps redefiniu fronteiras internacionais, mostrando limites diferentes consoante a localização do utilizador. A Meta decide que partidos políticos têm visibilidade e que narrativas são amplificadas ou suprimidas. A rede logística da Amazon opera numa escala superior ao PIB de muitos países.

Não votámos em nenhuma delas. Não as elegemos. Mas governam-nos todos os dias. Este é o poder pós-nacional: não regulado, sem prestação de contas e estruturalmente incentivado a continuar a extrair em escala. E as nossas identidades digitais — feitas de preferências, comportamentos, biometria e históricos — são as minas.

A promessa da web3: Uma nova Revolução Industrial

A Revolução Industrial quebrou a velha ordem feudal ao dar às pessoas comuns novas ferramentas, novos direitos e novo poder de negociação. A Web3, se bem construída, pode fazer o mesmo. Não como chavão. Não como casino especulativo. Mas como a Revolução Industrial 2.0 — uma reestruturação fundamental do poder.

As tecnologias descentralizadas podem redistribuir o controlo da mesma forma que as máquinas industriais redistribuíram o trabalho:

• Propriedade: Os utilizadores controlam os seus dados através da auto-custódia.
• Identidade: Não é um perfil numa base de dados, mas uma entidade digital soberana.
• Interoperabilidade: Pode migrar entre aplicações sem perder o histórico ou a reputação.
• Transparência: Os algoritmos operam abertamente, não em caixas negras.
• Incentivos: As plataformas recompensam a participação em vez de a extrair.

A ideia não é destruir a tecnologia, mas reconstruir a sua estrutura de poder. Porque se o futuro tem de ser digital — e será — então a questão é: Digital para quem? Para os Reis do Feudalismo 2.0? Ou para as pessoas que realmente geram valor?

Adoção retail: Recuperar a agência do dia a dia

Para os utilizadores comuns, a revolução começa com algo aparentemente simples: a posse da identidade digital.

Hoje, perder o acesso ao seu e-mail ou conta de redes sociais é mais catastrófico do que perder as chaves de casa. Isto não é apenas má experiência de utilizador. É sinal de que não possuímos nada da nossa vida digital. A Web3 permite carteiras de identidade, credenciais verificáveis, logins baseados em propriedade e cofres de dados controlados pelo utilizador. A adoção retail não é sobre NFTs ou DeFi; é sobre pessoas comuns recuperarem direitos que nunca perceberam ter perdido.

Um mundo digital onde os seus dados o seguem a si, não à plataforma. Onde escolhe quem vê o quê. Onde a sua participação gera valor para si, não para um monopólio que lhe vende de volta os seus próprios hábitos sob a forma de anúncios.

Adoção institucional: Quebrar os monopólios

As instituições enfrentam o mesmo problema, mas em maior escala. Dependem da infraestrutura das Big Tech: armazenamento na cloud, modelos de IA, redes de publicidade e análise de dados. Esta dependência concentra poder ao nível nacional em meia dúzia de empresas que nenhum país consegue regular de forma significativa.

A infraestrutura Web3 — armazenamento descentralizado, modelos de IA abertos, redes programáveis — oferece uma saída às instituições. Não porque seja mais barata ou uma tendência, mas porque é soberana. Desloca o poder dos monopólios corporativos para ecossistemas abertos. É por isso que alguns governos, bancos centrais e empresas estão a experimentar blockchain: não por curiosidade, mas por medo.

O medo de serem vassalos no império digital de outrem.

A revolução será descentralizada — ou não acontecerá

Todas as revoluções começam antes de serem reconhecidas como tal. A revolução da Web3 não é sobre moedas ou especulação. É sobre a estrutura política do mundo digital. Direitos. Poder. Agência. Propriedade. Governação. Estes são os verdadeiros temas.

O Feudalismo 2.0 foi construído lentamente, de forma invisível, um consentimento de cada vez. Desfazê-lo exigirá design deliberado, mudanças culturais e tecnologias que recusem centralizar o controlo.

E essa é a ironia do nosso tempo: a Web3 tem de destruir o Feudalismo 2.0 — não pela violência, mas pela arquitetura, porque o mundo não precisa de novos reis. Precisa de protocolos. Precisa de infraestruturas abertas. Precisa de soberania escalável. Precisa de uma revolução onde as pessoas finalmente recuperem o que lhes foi silenciosamente retirado: a sua (autonomia) digital.